Uma estimativa realizada pela Embrapa Pecuária Sul (RS) chegou ao valor aproximado gasto anualmente pelo pecuarista gaúcho com a miíase, popularmente conhecida como bicheira: R$ 171.420.022,00. O estudo levou em conta apenas os gastos com medicamentos e mão de obra, deixando de fora outros aspectos de difícil mensuração, como a perda de peso dos animais e a depreciação do couro dos bovinos e da lã dos ovinos.
O problema é provocado pela mosca Cochliomyia hominivorax, que deposita ovos nas feridas dos animais (veja quadro abaixo). Por esse motivo, os especialistas recomendam preservar o rebanho de ferimentos, com a utilização de cercas adequadas, e sempre tratar cicatrizações geradas por procedimentos cirúrgicos como castrações, por exemplo (veja quadro no fim do texto).
Causada por moscasA bicheira ou miíase é a infestação de animais vertebrados vivos por larvas de moscas. As larvas se alimentam do tecido vivo ou morto do hospedeiro. A etimologia da palavra vem de myie=mosca e ase=doença. Existem diversos tipos de miíases, dependendo da localização, biologia da mosca que a causa e tipo de tecido (morto ou vivo) do qual o inseto se alimenta. As miíases obrigatórias ou primárias são aquelas em que a larva se alimenta de tecido vivo. Nesse grupo, está incluída a mosca Cochliomyia hominivorax, muito importante na criação de bovinos. Porém, pertencem a esse grupo também as míiases causadas pelo berne (Dermatobia hominis) e pela mosca Oestrus ovis (específica para ovinos). Além da miíase obrigatória, pode ocorrer a miíase secundária, ocasionada por larvas de moscas que se alimentam de tecido morto (seja em animais mortos ou no animal vivo, mas que tenha ferimento com tecido necrosado). |
A pesquisa avaliou dois cenários: um com propriedades que têm apenas criação de bovinos e outro com a criação conjunta de bovinos e ovinos, contexto em que ocorreram os maiores gastos para controle do problema, segundo explica o pesquisador da área de socioeconomia da Embrapa Jorge Sant’anna dos Santos, que conduziu os estudos.
Dois estabelecimentos rurais modelo foram usados para fazer a estimativa de custo mínimo para tratar a bicheira: um com rebanho de 120 terneiros (pressupondo 150 vacas de cria); e outro com 100 ovinos e 250 bovinos.
“Fazem parte da composição desse custo mínimo os medicamentos adquiridos e o tempo da mão de obra alocado no enfrentamento do problema. A perda de animais revelou-se pouco expressiva em todos os produtores consultados, razão pela qual excluímos esse item da composição desse gasto mínimo. Igualmente excluímos do cálculo a perda de peso dos animais, em função da dificuldade dos informantes em estimá-la, o que poderia introduzir uma imprecisão no objetivo de se alcançar o custo mínimo médio por propriedade”, explicou Sant’anna.
Somadas as despesas com medicamentos e o custo com a mão de obra, o valor gasto no estabelecimento-modelo somente com bovinos foi de R$ 1.504,80 ao ano. Na propriedade com bovinos e ovinos o número chegou a R$ 2.816,93.
De acordo com Sant’anna, com dados da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, foi possível estimar um número de 87 mil propriedades gaúchas nas quais o produtor investe para controlar a bicheira, sendo 47 mil estabelecimentos com a criação concomitante de bovinos e ovinos, e 40 mil apenas com bovinos.
“Tomadas as 47 mil propriedades com ovinos e bovinos, é possível alcançar um total de gastos com a bicheira da ordem de R$ 116.349.400,00. Os 40 mil estabelecimentos apenas com bovinos realizam gastos na ordem de R$ 55.070.622,00, mostrando que nos estabelecimentos em que existem ovinos, os gastos representam mais que o dobro das despesas para prevenir e tratar a bicheira do que nos estabelecimentos somente com bovinos”, pontua o pesquisador.
Com a soma dos dois modelos de propriedade se chegou ao valor estimado de gastos com a bicheira no Rio Grande do Sul. “Pode-se indicar que o total das perdas econômicas dos produtores de bovinos e ovinos ocasionadas em função da incidência da bicheira nos seus rebanhos ultrapassa a cifra de R$ 170 milhões”, analisa o pesquisador.
O produtor de bovinos e ovinos Antonio Silvano Oliveira, do município de Pedras Altas (RS), calcula que 7,8% de todo o custo de sua propriedade está comprometido apenas com o controle da bicheira. “É um percentual bem significativo, considerando que nos últimos anos a margem líquida do setor pecuário vem encolhendo. Sem contar as perdas com manejo e estado corporal dos animais que não estão sendo mensuradas, mas que acredito ter um valor bem considerável, aumentando ainda mais o custo provocado por essa enfermidade”, destaca.
De setembro a abril, quando cessa o frio no Rio Grande do Sul, é a época crítica para aparecimento do problema. Mas na fazenda de Silvano, o problema tem aparecido todos os meses do ano, até mesmo no inverno. “O manejo dos potreiros é realizado duas vezes por semana. Se não tivéssemos essa enfermidade, com certeza o custo com manejo se reduziria praticamente pela metade. Devido à ocorrência de bicheiras se tem necessidade de dois funcionários para serviço de campo. Se fosse erradicada a bicheira, se teria necessidade de apenas um funcionário para o cuidado dos animais. E auxílio de mais uma pessoa apenas para realizar as dosificações, o que ocuparia quatro dias do mês em média”, pontua.
Como tratar o problemaConforme a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul Cláudia Gomes, para as miíases causadas pela mosca Cochliomyia hominivorax, o produtor deve fazer uso de boas práticas agropecuárias, como cuidado no manejo dos animais, manutenção de centros de manejo e cercas para evitar ferimentos que atrairão as moscas. “As moscas são atraídas pelo odor do ferimento e depositam ovos sobre a ferida, da qual saem as larvas. O tratamento preventivo é necessário em casos de cura de umbigo em bovinos recém-nascidos ou em procedimentos cirúrgicos, como a castração”, recomenda. Uma vez instalado o problema, a bicheira causada pela mosca Cochliomyia hominivorax deve ser tratada com aplicação de produtos conhecidos por mata-bicheira ou larvicidas no local infestado. “Em sequência, deve ser feita a remoção das larvas, limpeza da ferida e tratamento com produtos de efeito cicatrizante e repelente. A cicatrização deve ser acompanhada e, se necessário, o tratamento da ferida deve ser repetido a fim de evitar novas infestações”, completa a pesquisadora. O tratamento exige que os animais doentes sejam apartados e levados para um estábulo (potreiro) onde são ministrados os medicamentos recomendados. No caso dos ovinos, a detecção não é muito simples, devido ao fato de que as lesões podem estar, muitas vezes, encobertas pela lã. A prevenção das miíases deve fazer parte do planejamento do controle sanitário do rebanho e, para tanto, é necessário o acompanhamento técnico constante. Mais detalhes sobre prevenção e tratamento da bicheira podem ser encontrados no Comunicado Técnico 40, disponível no Portal da Embrapa. |
Fonte: EMBRAPA - Felipe Rosa
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