Especialistas em beleza observaram um recente aumento das
vendas de produtos para cabelos crespos e cacheados. Mais
empresas estão apostando nesses produtos, o que significa
reconhecimento dessa população como consumidora.
O Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) conversou com blogueiras, empresárias e cabeleireiras sobre como a aceitação do cabelo afro pode influenciar na construção de autoestima e da identidade negra.
Os dados disponibilizados pelo Google BrandLab mostraram que 1 em cada 3 mulheres foi vítima de preconceito relacionado ao cabelo, e 4 em cada 10 disseram já ter sentido vergonha dos cabelos cacheados. As mídias sociais têm papel importante para reverter essa realidade.
De acordo com a pesquisa, 3 em cada 5 mulheres com cabelo cacheado usam o Youtube para conseguir dicas de cuidados, 1 em cada 3 usam o site como fonte de informação sobre beleza e 50% das buscas são relacionadas a cabelo. De 2015 a julho de 2017, subiram 55%as buscas por “transição capilar”, período em que nenhuma química é usada até o crescimento total do cabelo natural.
Além do Youtube, outras mídias sociais, como o Instagram e blogs, estão sendo cada vez mais usadas como espaços para debater assuntos como cabelo natural, identidade negra e representatividade.
A blogueira e jornalista Luiza Brasil destacou a importância do
movimento na Internet para o autoconhecimento e a
autovalorização que estimula o uso do cabelo negro natural.
Diz que o uso do cabelo crespo “não é moda, não é tendência,
nem vai passar. É um ato político, um ato de ocupação”.
A modelo e empresária Yasmim Stevam enfatizou a importância do uso das plataformas digitais para atingir mulheres na construção da autoestima e de identidade como negras, abordando temas como cabelo, estilo e cor de pele. Afirma ter sentido forte demanda do público por essas discussões e por detalhes sobre a trajetória pessoal.
Renata Varella e Andressa Abreu, criadoras da primeira consultoria brasileira para cabelos sem química, o Clube das Pretas, observaram um aumento do número de produtos disponíveis no mercado para cabelos crespos e cacheados, assim como do reconhecimento do público negro como consumidor.
A cabeleireira Claudia Fernandes lembrou a importância de disponibilizar informações e produtos de beleza para a população negra, principalmente para crianças e jovens. O maior acesso a essas dicas permite que pais possam cuidar melhor dos cabelos dos filhos, enquanto os jovens podem ter mais alternativas de cuidados e penteados.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua (PNAD),
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em
novembro de 2017, houve um aumento de pessoas que se autodeclaram
pretas e pardas no Brasil entre 2012 e 2016. Uma explicação para esse
crescimento é que mais pessoas passaram a se reconhecer como negras.
A pesquisa elaborada pelo Google BrandLab mostrou ainda que 24% das mulheres de 18 a 24 anos reconhecem o cabelo como cacheado. “Agora, com esse movimento de libertação, de descobrimento, de redescoberta, a gente está conquistando a permissão para ser negra”. Foi o que disse Renata Varella.
A estética do cabelo natural ou com penteados afros busca a afirmação e resistência da identidade negra, fazendo com que a transição capilar preceda ou venha junto com a construção de autoestima e de autoconhecimento. Opinião de especialistas.
“Depois que eu fui me aceitando, aceitei meu cabelo, minha cor, automaticamente o estilo mudou também e aí começou a mexer comigo. Então, eu comecei a me amar mais. O cabelo muda a pessoa, querendo ou não, por fora e por dentro também”, declarou Yasmim Stevam.
Apesar do progresso no que se refere à disponibilidade de informações e à maior aceitação do cabelo cacheado, ainda há o estigma e a falta de aceitação do cabelo crespo.
“Muitas mulheres não aceitam (seu cabelo). Às vezes tentam, mas se enxergam em mulheres de cabelos cacheados, quando o cabelo delas não é cacheado. (…) Isso acaba mexendo com a autoestima da pessoa e a decepcionando. Acho que ainda existe uma dificuldade de aceitação”, disse Yasmim.
A preferência por cachos definidos é uma das preocupações do movimento. “Estamos saindo de uma revolução alisada para entrar em uma revolução cacheada, mas nem todo cabelo forma cachos abertos, largos e soltos. (…) Não podemos sair de um padrão, de uma ditadura de beleza, para entrar em outra”, disse Andressa Abreu.
A maior presença de influenciadores negros nas mídias digitais reforça a representatividade. Porém, na televisão e nas revistas femininas, a participação ainda é baixa. Quando existe, a retratação do negro é frequentemente estereotipada e colocada fora do protagonismo ou do referencial de beleza, de acordo com as entrevistadas.
“A mídia, de alguma forma, não abrange e não representa todos os tipos de afros e de mulheres negras. Muitas vezes, nos colocam em estereótipos, mas nós somos muito diversas”, declarou Luiza Brasil.
Para Luiza, o acesso a informações e ao conhecimento das leis brasileiras
possibilita aos negros contestar a ideia de “boa aparência” baseada apenas
no padrão branco, especialmente na vida profissional. Segundo as entrevistadas,
muitas vezes o racismo se torna mais evidente quando
optam por usar cabelos naturais com penteados afro.
“[Mulher negra] já sofre racismo 24 horas, às vezes sem perceber. Depois que tirei essa escama do meu olho, consegui ver o mundo e o dia-a-dia totalmente diferente”, declarou Yasmim Stevam.
Estabelecida pela ONU em 2013, a Década Internacional de Povos Afrodescendentes (2015-2024) defende esforços dos países, da sociedade civil e de outros atores relevantes para enfrentar o racismo, a discriminação e o preconceito racial, e tem como objetivo efetivar compromissos internacionais contra o racismo.
No ano passado, a ONU Brasil lançou a campanha Vidas Negras, visando ampliar junto à sociedade, gestores públicos, sistema de Justiça, setor privado e movimentos sociais, a visibilidade do problema da violência contra a juventude negra no País.
O Sistema ONU pretende com a iniciativa, chamar atenção e sensibilizar a sociedade para os impactos do racismo na restrição da cidadania de pessoas negras, influenciando atores estratégicos para a produção e apoio de ações de enfrentamento da discriminação e da violência.
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