PANDEIRO

Músico americano que largou o jazz ao ouvir som brasileiro faz filme e site sobre pandeiro


Tárik de Souza


Rafael Andrade

O nova-iorquino Scott toca e vende pandeiros artesanais de luthiers do interior do país para clientes até da Eslovênia


O jazz pós-bebop perdeu um guitarrista. As rodas de choro e samba cariocas ganharam um pandeirista nova-iorquino. Scott Feiner, 36, que já tocou com o vanguardista do piano Brad Mehldau, foi fisgado pelo som do pandeiro tocado por um garoto numa rua do Recife, em 1999, e mudou-se para o Brasil em 2001. Além de tomar lições do instrumento e aprender a língua, que hoje fala quase sem sotaque, desde essa época ele filma e entrevista pandeiristas, sambistas e chorões. Já tem 30 horas gravadas. Do basilar Jorginho do Pandeiro, do Época de Ouro e seu filho Celso, também exímio pandeirista, e mais Marcos Suzano, Beto Cazes, David da Portela, Ovídio Brito, Moacyr Luz, Maurício Carrilho. Busca patrocínio para concluir o filme Meu coração é um pandeiro (título tirado da letra de Morena Boca de Ouro, de Ary Barroso), que deverá ter entre 45 minutos e uma hora.


Webmaster, pilota ainda o site Pandeiro.com, em inglês, através do qual vende pandeiros artesanais de luthiers brasileiros para clientes que vão da Eslovênia à França. Morador do Humaitá, sobrevive dando aulas de inglês enquanto investe na inusitada carreira de pandeirista gringo na terra de Jackson do Pandeiro.



- Passei anos tentando tirar o suingue do bebop e com o pandeiro tive que aprender uma linguagem completamente diferente, mais próxima do baião, do coco, do choro, do samba - compara.



Afastou-se da música por um período de quatro anos nos Estados Unidos, trabalhando na área da internet. Estava cansado da faina dura de jazzista nos EUA.



- A concorrência é enorme, há muita gente tocando bem, é difícil conseguir algum destaque - diz.



Foi nessa época, por volta de 1996, que se encantou com os discos e shows de João Gilberto.



- Já vi três, mais que muito brasileiro - comemora.



Para entregar-se a essa primeira paixão tropical, teve que vencer um preconceito desconhecido por aqui.



- Entre muitos jazzistas a bossa nova é considerada meio brega, música de casamento - delimita.



Da bossa chegou ao pandeiro, ao samba e o choro. Aprendiz de feiticeiro, levado pelo percussionista Beto Cazes ele fez temporadas com o violonista José Paulo Becker no Centro Cultural Carioca, além de dar canjas em apresentações de Teresa Cristina, Trio Madeira Brasil, Nelson Sargento, Wilson das Neves, Beth Carvalho, Hamilton de Holanda, Sururu na Roda, Gallotti e Moacyr Luz. Participou também do disco de estréia do grupo Casuarina, que está para ser lançado.



- Toquei pandeiro de nylon e reco-reco numa música de Guilherme de Brito - exulta.



Na recente temporada da cantora de jazz Jane Monheit no Mistura Fina, ele atacou de pandeiro nas duas noites do show, acompanhando-a na jobiniana Águas de março. Prepara ainda um duo de pandeiro e violão com o israelense (também residente no Rio) Yuval Ben Lios, cuja demo de oito músicas já pode ser acessada em sotaques.com. No site do pandeiro, Scott foi intermediário de uma curiosa transação. Um cliente do Texas (^^não, não era o Bush, ele não tem nenhum suingue^^, brinca) queria um pandeiro de um fabricante da Paraíba.



- Mas ele não podia entregar a encomenda porque disse que o tempo não estava bom para a confecção de pandeiros - ri.



Aclimatado às manhas do país, reconhece que seu primeiro instrumento foi um pandeiro vagabundo que comprou como se fosse artesanal. E enquanto três guitarras dormem, possivelmente para sempre, em Nova York, de onde saiu banido pelo desemprego da era Bush, Scott apura o estilo para o próximo salto artístico.



- Ainda não estou totalmente satisfeito com o trabalho, mas o pandeiro me reaproximou do jazz e foi amor à primeira vista. Quero retribuir essa paixão por algo tão brasileiro, um instrumento cheio de mistérios e difícil de tocar.